Impacto Fêmoro-Acetabular, que atinge o quadril, merece atenção para não diminuir a vida útil do tenista
Auge da carreira, três títulos em Roland Garros e ídolo nacional. Tudo isso só foi cortado da vida de Gustavo Kuerten pela constante evolução do tênis e, por consequência, novas lesões que surgiram no dia a dia do atleta. No final de 2001, ano em que levantou a terceira taça em Paris, as dores no quadril foram intensificadas e o início da temporada seguinte acabou marcado por cirurgias.
A deficiência física não deixou Guga voltar ao seu antigo ritmo e até hoje o ex-jogador reclama de dores no local. Rodrigo Araujo Góes, ortopedista, especialista em traumatologia esportiva e integrante da equipe médica do COB (Comitê Olímpico do Brasil) nos Jogos Olímpicos de Londres de 2012, desvenda o agora conhecido impacto fêmoro-acetabular.
“A geração do Guga sofreu com essa transição e aumento de velocidade, tendo que se adaptar a tamanha rapidez da bolinha. Muitas vezes não era possível se preparar da maneira correta, trocando a base e colocando o pé de apoio na frente como manda o manual do tênis. Com isso, foi necessário uma singela modificação, e o giro e a rotação passaram a ser realizado pelos quadris, que foram exigidos muito além do comum indo à ‘falência’, desenvolvendo uma doença pouco conhecida até aquele momento, que é o Impacto Fêmoro-Acetabular (IFA)”, explicou.
Esta lesão chega a quase 30% das mais comuns em tenistas. Os atletas naturalmente estão ficando rápidos e fortes, atleticamente preparados para tamanha potência de golpes e uma velocidade sem igual. Basta ver a rapidez dos saques atualmente.
Até essa alteração do jogo ser adaptada ao cotidiano, muitos jogadores se lesionaram e carreiras promissoras ficaram pelo caminho. Além de Kuerten, Magnus Norman, Gaston Gaudio, Fernando Gonzalez, David Nalbadian, Guilhermo Coria, entre outros, sofreram com o diagnóstico de IFA e lesão do labrum acetabular.
“Esse problema acontece por uma incongruência na articulação, especialmente nos movimentos extremos da amplitude. Com isso, grosseiramente falando, é como se existisse mais osso na bacia e no fêmur do que deveria ter. Passa a ocorrer o impacto e com ele a lesão progressiva e irreversível. Os pacientes geralmente referem dor na região inguinal (raiz da coxa), com irradiação para a coxa e que piora durante e após as atividades físicas e progressiva limitação e redução da mobilidade do quadril.”
Atenção para os tenistas mais jovens. O tratamento inicial é por meio de fisioterapia e orientação das atividades esportivas, com reforço muscular. Nos casos em que este tipo de tratamento não funciona, o reparo da lesão por artroscopia cirúrgica do quadril seria a indicação mais adequada. O importante é prevenir.
Goés revela ainda que o problema do Guga, por falta de conhecimento da área médica à época, foi tratada de maneira ineficaz. “O Guga foi operado, onde foi ressecado o labrum como se fosse a solução para o problema. Hoje entende-se que o ideal seria tentar reparar, reinserir a área lesionada. Isso é similar ao joelho, quando se retira o menisco (meniscectomia) ao invés de suturar o menisco (meniscorrafia). Mais cedo ou mais tarde esse paciente atleta irá evoluir para artrose com o impacto do fêmur sobre o acetábulo e sem a principal estrutura (labrum)”, explicou.
A evolução dos estudos e uma preparação física mais atualizada permitem que esse tipo de lesão seja evitado, ou que a chance de aparecer diminua. Treinamentos de força, funcionais e específicos para os rotadores, adutores, abdutores e flexores do quadril, além da simulação dos exercícios e movimentos exigidos durante a prática podem ajudar no processo. Outro detalhe é o treino específico da musculatura paravertebral e profunda do abdômen (CORE Program).
PUBALGIA
Outra lesão comum no mundo do tênis leva o nome de pubalgia, causada principalmente pela sobrecarga de exercícios, e que varia de corpo para corpo. “Ela se caracteriza por dor na região baixa do abdômen e na virilha, que piora com as atividades esportivas. Hoje existe o conceito do tendão conjunto (reto abdominal e adutor longo), que com a sobrecarga súbita ou progressiva pode romper. Nos casos de dor acima de 12 semanas sem melhora com a fisioterapia, chega o momento do tratamento cirúrgico e reparo do tendão e da área de desequilíbrio”, recomendou.
Rodrigo Goés indica como prevenção os treinamentos da musculatura paravertebral e profunda do abdômen (CORE Program), além de melhorar o alongamento, em especial do flexor do quadril (Psoas) e adutores.
CONSIDERAÇÕES
“O tênis, quando praticado dentro da técnica correta e proposta, geralmente não causa lesão”, relata Goés. Para tenistas não competitivos, treinamento físico inadequado e técnicas impróprias podem ser os motivos de lesões. Embora a maioria dos problemas físicos nesta modalidade aconteça por treinamento excessivo e por vezes sem orientação adequada, a boa notícia é que eles podem ser prevenidos com mudanças nas rotinas técnicas e no treino.
“Se tiver uma dor muito forte perto de articulações (especialmente quadril e púbis) que não apresente melhora num período de até cinco dias, vale a pena procurar um ortopedista, de preferência com experiência em esportes. Pode ser que uma pequena lesão esteja acontecendo e o tratamento precoce pode evitar a complicação do mesmo. O limite do nosso corpo, geralmente, a gente só conhece quando ultrapassamos ele, portanto, cuidado”, finalizou.